Editado a partir de “Lessons on Resilience for Small and Midsize Businesses” – Harvard Business Review.

A crise da Covid-19 expôs as diferenças marcantes existentes nos variados níveis de empresas de pequeno e médio porte. Startups bem capitalizadas têm se saído melhor do que os negócios com poucos recursos, fabricantes EPIs experimentaram uma demanda sem precedentes enquanto negócios como restaurantes, hotéis, eventos, parques temáticos foram fechados. Empresas preparadas para encarar a mudança para o digital com a prestação de serviços online mudaram para um novo modelo completamente novo.

Enquanto em geral o choque afetou seriamente as pequenas e médias empresas, algumas não só sobreviveram, como prosperaram, e não é tarde demais para adotar as práticas que levaram ao sucesso em um ambiente tão tumultuado.

Em abril, a OCDE estimou que, em 32 países, 70 a 80% das pequenas e médias empresas experimentaram uma queda entre 30 a 50% nas receitas. As grandes empresas foram um pouco menos impactadas, mas a pandemia amplificou o gap entre os líderes de mercado e os demais. Nos Estados Unidos, as receitas das empresas no decil superior por lucro econômico ficou estável entre os terceiros trimestres de 2012 e 2020, enquanto as receitas das outras companhias caíram 11%.

Muitas das ações das grandes companhias mais bem sucedidas são copiadas, ainda que em menor escala, por pequenas e médias empresas de alta performance, levando a resiliência financeira, capacidade organizacional e foco estratégico para continuar a investir e se adaptar durante toda a crise. Notavelmente, aceleraram a digitalização, incluindo automação e mudanças para os canais online e trabalho remoto ou híbrido, com a reorganização e requalificação para a eficiência operacional, tornaram-se mais ágeis, aumentando o ritmo da inovação em produtos e modelos de negócios.

Essas transformações poderiam produzir potencialmente um período de rápido progresso econômico, diante da redução da crise. Pesquisa recente do McKinsey Global Institute descobriu que o crescimento da produtividade poderia ser acelerado em 1% ao ano até 2024 nos EUA e em seis grandes economias europeias. No entanto, esse lado positivo só pode ser capturado se o crescimento da demanda for robusto; as ações de aumento de produtividade que as empresas líderes tomam forem replicadas para os demais players; e governos, empresas e indivíduos investirem em suas habilidades (principalmente habilidades para o futuro).

Seja devido a futuras ondas da pandemia ou outras forças, é provável que haja mais turbulência econômica pela frente. Aqui estão algumas lições que os líderes de pequenas e médias empresas podem tirar de empresas que tiveram sucesso durante a crise.

Capacidade digital mais profunda

O mundo dos negócios está avançando online há algum tempo, é claro. Antes da pandemia, mais de 80% das pequenas e médias empresas nos EUA e na Europa tinham um site da empresa, e mais de dois terços tinham alguns funcionários trabalhando por meio de dispositivos móveis, segundo dados da Comissão Europeia e uma pesquisa de 2019 da National Small Business Association. Distanciamento social, lockdowns e entrega remota durante a pandemia catapultaram muitas empresas para o digital: soluções baseadas em nuvem, comunicações de vídeo e vendas online tornaram-se comuns.

Os negócios que mais alavancaram o digital são aqueles que já possuíam experiência digital. Uma pesquisa descobriu que pequenas e médias empresas que já haviam adotado ferramentas de software tinham quase 30% mais chances de ter implementado novas tecnologias desde o início da crise. Essas organizações já tinham a confiança e a capacidade de passar pela jornada de implementação muitas vezes desafiadora. Em particular, haviam aprendido que a digitalização não é uma varinha mágica – ela é poderosa apenas quando integrada com pessoas e processos.

Considere a Blue Bay Travel, uma agência de viagens premiada com sede em Stoke-On-Trent, Inglaterra. Em 2019, apenas um ano após atualizar sua infraestrutura digital e de dados, as vendas da empresa aumentaram 71%. Embora a tecnologia – neste caso, um conjunto de relatórios de última geração – fosse essencial para seu sucesso, o mesmo acontecia com dois outros fatores: uma reestruturação de sua organização de marketing e um conjunto inteiramente novo de habilidades para analisar e interpretar dados.

Com o impulso externo da crise da Covid-19, agora é o momento ideal para as pequenas e médias empresas se reagruparem e identificarem as áreas onde a tecnologia digital poderia impulsionar ainda mais seus negócios. Por mais básico que pareça, é provável que os diferencie da concorrência. De fato, em uma pesquisa do Enterprise Research Center realizada em setembro e novembro de 2020, a maioria das pequenas e médias empresas no Reino Unido disse não planejar fazer mais investimentos em tecnologia no curto prazo. Isso contrasta fortemente com nossa pesquisa com executivos de grandes empresas, onde 75% relataram que acelerariam ainda mais o investimento em tecnologia nos próximos cinco anos.

Equilíbrio entre a vida remota e real

Trabalhar em casa e interagir virtualmente com os clientes tem sido uma bênção mista para as empresas. Embora muitas pesquisas sugiram que ambas as práticas podem gerar ganhos de produtividade em média, os resultados dependem muito das circunstâncias individuais. Por exemplo, a capacidade dos funcionários remotos de trabalhar com eficiência é determinada não apenas pelo espaço, ferramentas e ambiente adequados, mas também pela eficácia e flexibilidade da organização do trabalho.

A princípio, as pequenas e médias empresas têm uma vantagem aqui: com menos camadas entre a liderança e os funcionários da linha de frente e menos políticas corporativas, deve ser possível para os gerentes encontrar abordagens personalizadas para suas equipes. Na verdade, 44% das pequenas e médias empresas no Reino Unido que têm algumas práticas de trabalho flexíveis esperam aumentar essa atividade nos próximos 12 meses. Isso, por sua vez, provavelmente aumentará significativamente o engajamento e a satisfação e, consequentemente, o desempenho do negócio; até 30% dos trabalhadores de escritório dizem que considerariam deixar seu emprego atual se não tivessem a oportunidade de trabalhar em casa pelo menos parte do tempo.

A escola online de cuidados orgânicos para a pele, Formula Botanica, experimentou esses desafios e oportunidades em primeira mão. Seu modelo de negócios conta com funcionários que trabalham em locais distantes, do Brasil à Eslováquia. À medida que a empresa cresceu, precisou trabalhar muito para manter os níveis de energia e motivação entre as pessoas que trabalham sozinhas em casa. Além de recrutar pessoas apaixonadas pelo negócio e seus valores, a empresa implementou algumas práticas básicas, porém eficazes, para se manter conectada.

Cada membro da equipe tem um gerente de linha que mantém encontros regulares com os funcionários. Ainda mais importante, há uma cultura de “verificar” para garantir que os funcionários estão bem. A empresa opera um canal diário no Slack, onde todos se despedem do dia de trabalho. Isso significa que, mesmo que o horário de trabalho dos funcionários se sobreponha apenas um pouco ao de outros, eles acabam conversando e compartilhando fotos e mensagens de aniversário e se conectando em um nível pessoal.

Como a equipe da Formula Botanica é composta principalmente por mães que trabalham, a empresa também priorizou a flexibilidade. Os funcionários escolhem os horários que desejam trabalhar, ajudando-os a se sentirem no controle do seu equilíbrio entre vida pessoal e profissional. Sempre que alguém precisa de mais flexibilidade, mesmo que de forma repentina, a administração permanece de portas abertas para conversar. Essas formas de trabalhar provaram ser fundamentais para manter o alto desempenho durante a crise. Mas também conferem uma vantagem significativa de longo prazo: satisfação, lealdade e produtividade da equipe.

Transições de habilidades e recrutamento

As pequenas e médias empresas tradicionalmente enfrentam mais desafios do que as grandes para atrair os melhores e mais diversos talentos. Isso pode ser um obstáculo para a capacidade de gerenciamento, inovação e crescimento. Por exemplo, a pesquisa descobriu que uma maior participação da força de trabalho de graduados em ciências e engenharia está associada a mais produtos novos no mercado e maior cooperação externa. Da mesma forma, empresas com liderança altamente diversificada têm 70% mais probabilidade de relatar a conquista de um novo mercado do que suas contrapartes menos diversificadas.

No entanto, ao implementar as vantagens de flexibilidade descritas – e muitas vezes um ethos orientado a  um propósito – as empresas menores não precisam ter vergonha de competir por talentos contra empresas maiores. Esta é a experiência recente da Lux Afrique, uma empresa de concierge de luxo. Apesar da escassez de equipe de TI em geral, a empresa conseguiu atrair profissionais de alto desempenho para apoiar sua transformação digital, tornando a flexibilidade uma parte essencial de sua proposta de valor para os funcionários. Muitas organizações permanecem vagas sobre sua configuração de trabalho remoto pós-pandemia. Em contraste, no Lux Afrique, o trabalho remoto está totalmente integrado na experiência do dia-a-dia. Por exemplo, todo o trabalho é gerenciado por meio de uma plataforma chamada Monday.com, que permite que todos – remotos ou não – vejam o que está acontecendo, agendem seu trabalho com eficiência e até automatizem tarefas repetitivas.

Claro, não é suficiente recrutar pessoas talentosas: elas também precisam de treinamento e desenvolvimento e planos de carreira atraentes. As empresas menores têm sido historicamente menos predispostas a se concentrarem nessas práticas, mas como mostra a experiência do serviço global de entrega de bagagem Send My Bag, o desenvolvimento de pessoas traz recompensas reais. A empresa tem planos de progressão de três anos para os funcionários, apresentando os níveis até os quais eles podem trabalhar e os subsequentes aumentos salariais que receberão. A abordagem teve tanto sucesso que apenas uma pessoa deixou a organização nos últimos dois anos.

Finalmente, com as demandas do local de trabalho mudando constantemente, empresas de todos os tamanhos provavelmente enfrentarão escassez de habilidades. Em vez de apenas procurar fora para recrutar novas pessoas, muitas pequenas e médias empresas se beneficiariam com a qualificação de sua equipe existente – a pesquisa da McKinsey descobriu que os benefícios poderiam superar os custos em três quartos dos casos. Jessica Keir, a Diretora de Operações da Refused Car Finance, corretora de financiamento de automóveis sediada em Newcastle, concorda: “Fornecer aos membros da equipe um orçamento de treinamento e tempo alocado para se afastarem de sua carga de trabalho diária para aprender algo novo não só aumenta a sensação de valor dentro sua equipe, mas também afeta os lucros. Quando nossos funcionários se sentem apoiados, eles trabalham com mais eficiência e com um padrão mais alto, o que contribui para o sucesso de nosso negócio.”

Agilidade e inovação

A agilidade tem sido a chave para o sucesso, e até mesmo para a sobrevivência, durante a pandemia. Mas estabilidade e resiliência foram as marcas registradas das empresas de alto desempenho na grande reviravolta anterior: a crise financeira global de 2008. Como as pequenas e médias empresas podem alcançar as duas coisas?

Se o passado serve de guia para o futuro, a resposta é dupla. Primeiro, trace seu curso pós-pandêmico com potenciais crises futuras em mente. Mesmo que a volatilidade causada pela Covid-19 o pegue desprevenido, não deixe isso acontecer na próxima vez que um choque chegar. Por exemplo, encontre um modelo operacional que permitirá que você dimensione rapidamente o negócio para baixo e para cima novamente ou crie opções em seu plano de negócios para tornar essa flexibilidade viável. E, se você ainda não tiver um, articule e incorpore um propósito e valores que podem sobreviver a uma crise.

Em março de 2020, e em cada lockdown subsequente, até 95% dos clientes da Dunsters Farm – escolas, restaurantes e instalações de alimentação – fecharam durante a noite. Para sobreviver, ela construiu uma empresa de entrega de comida online atendendo clientes em casa. À medida que o Reino Unido sai das restrições da Covid-19, a empresa planeja continuar seus negócios ao consumidor, com um serviço especializado de entrega de presentes. Em ambas as ofertas B2C e B2B, a companhia está agora melhor posicionada para atender aos clientes que preferem cada vez mais produtos de origem local.

Em segundo lugar, expanda a capacidade de inovação da organização. Em meio ao que os economistas chamam de “destruição criativa”, esta é realmente a única fonte de vantagem de longo prazo para os negócios. Em nossa pesquisa, mais de 60% das pequenas e médias empresas disseram que planejavam aumentar a taxa de inovação de produtos e modelos de negócios pós-pandemia.

Para pequenas e médias empresas, as colaborações externas são particularmente importantes para construir uma vantagem de inovação. Ficar perto das experiências dos clientes, envolver-se com fornecedores, capacitar funcionários e ingressar em redes de negócios locais são fontes poderosas de novas ideias e práticas, bem como de suporte. O feedback dos participantes dos programas Be the Business é claro: as pequenas e médias empresas obtêm mais inspiração – e melhorias de desempenho – interagindo e aprendendo com seus colegas.

Apesar dos desafios sem precedentes, muitas pequenas e médias empresas em todo o mundo mostraram notável resiliência e capacidade de se reinventar. Agora é a hora de se inspirar em negócios que prosperaram e de criar resiliência para o futuro. As pequenas e médias empresas que prestam atenção às lições desta crise estão bem posicionadas para enfrentar a próxima.

Observação: todos os estudos de caso citados neste artigo são baseados em pequenas e médias empresas (SMBs) que trabalham com Be the Business, uma instituição de caridade com sede no Reino Unido que permite melhorias de desempenho de SMB por meio de advocacy, mentoria, educação, redes e consultoria. Um dos autores faz parte do Be the Business Board of Trustees.

Fonte: Harvard Business Review – https://hbr.org/2021/06/lessons-on-resilience-for-small-and-midsize-businesses

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